A Crise da Meia-Idade na Perspectiva Junguiana: A Alquimia da Alma

22 maio, 2025

Carl G. Jung, em sua profunda exploração da psique humana, postulou que a vida, em seu sentido mais integral e autêntico, efetivamente se inicia por volta dos quarenta anos, uma constatação perspicaz sobre o desenvolvimento da consciência. Até essa idade crucial, passamos a nossa existência coletando dados, como se a alma estivesse traçando um mapa que nos sentimos compelidos a utilizar somente após de cruzada essa fronteira.


                                                                                                                     Jardim de Narciso - Yayoi Kusama - Instituto Inhotim


Durante o período inicial, caracterizado pela busca da persona e da adaptação ao mundo externo, grande parte de nossas decisões e caminhos são moldados por modelos internalizados desde a infância, pela sociedade, cultura e família. O foco está na construção externa – edificando carreiras, imagens sociais e relacionamentos. O ego jovem anseia por aceitação, admiração e reconhecimento, sem apreender plenamente o significado da existência. A psique, voltada para o mundo externo, constrói uma identidade baseada no que foi percebido como o "certo", o que cobra seu preço: um vazio que, embora silencioso, se instala e cresce paulatinamente.

Contudo, ao redor dos quarenta anos, um processo de desagregação interna começa a ocorrer. Este fenômeno pode se apresentar de muitas formas: como um incômodo silencioso, uma angústia inexplicável ou uma profunda crise de sentido, sinalizando que o inconsciente pede passagem e que o self – a instância mais profunda e autêntica da alma – começa a se manifestar.

Consequentemente, muitas das estruturas e significados que antes pareciam sólidos perdem seu brilho ou se desgastam – sejam relacionamentos, carreiras ou crenças. Jung interpretou esta fase não como um fim, mas sim como o verdadeiro começo da vida. A popularmente conhecida "crise dos 40" configura uma etapa inevitável, um chamado simbólico que nos convida a ressignificar o que realmente nos importa.

É um convite ao processo de individuação, o caminho essencial para a nossa autenticidade, dissociados das expectativas alheias.

Esse momento exige maturidade para discernir que o sucesso destituído de sentido não passa de ruído disfarçado de conquista. Essa transição profunda é desafiadora; muitos sucumbem ao desconforto, aferrando-se ao que eram, vivendo a segunda metade da vida como uma mera repetição mal resolvida da primeira. É imprescindível, portanto, a coragem de abandonar as fantasias da juventude e confrontar a pergunta fundamental que se transmuta de "O que eu quero fazer da vida?" para uma introspectiva "Quem está vivendo dentro de mim?"

Na travessia interna é preciso humildade para desaprender valores arraigados – como por exemplo a medição do próprio valor pela produtividade ou a confusão entre aplauso e amor. É comum este momento acompanhar um sentimento novo e muito incômodo que Jung chamou de "saudade do não vivido” que fornece a matéria-prima para a construção do novo. Aos quarenta não há mais tempo a desperdiçar com o inautêntico.

Nesse ponto de inflexão decisivo - entre a vida orientada para o exterior e a jornada interior - mora a reconquista do que ficou soterrado sob as exigências do mundo.

É a mudança de morada psíquica, quando saímos da casa do EGO, construída com alicerces de aprovação e controle, para caminhar em direção à casa do SELF, onde habita a verdade e a autenticidade. Este percurso exige a aceitação do que não retorna: o corpo jovem, as relações "meia-boca", desejos que se transformaram. É um desnudar-se simbólico para si mesmo, um despir-se do personagem para caminhar honestamente.

A vida adquire profundidade, as escolhas são feitas com maior critério, os vínculos ganham mais significado, e o tempo se transforma em aliado.

Transcendemos a condição de filhos das circunstâncias para nos tornarmos autores conscientes de nossa existência. Esta virada simbólica, que nos torna pais de nós mesmos, traz consigo um paradoxo: ganhamos força ao mesmo tempo em que nos tornamos mais sensíveis. O perigo reside na nostalgia paralisante e na tentativa desesperada do Ego de reafirmar-se.

Se você está nessa fase, você não está sozinho(a)! E não tema! Mudanças significativas – em carreira, relacionamentos, projetos – muitas vezes sinalizam que você finalmente despertou! Viva!!!

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Carol Hannickel é psicóloga, mestre em cognitive sciences e mentora de líderes no Brasil e Europa. https://www.linkedin.com/in/carolinehannickel/

 

A Mente do Líder: 3 Competências da Mentalidade Brasileira para Cultivar em 2025.

2 maio, 2025

O lado Estratégico da nossa Cultura com pitadas de Psicologia e Neurociência na prática.

O mundo é complexo demais para fórmulas prontas. Justamente quando as regras rígidas falham, o estilo brasileiro – adaptativo, relacional e otimista– revela uma vantagem competitiva que não está nos bancos das escolas de business.

Que a liderança não é sobre aspectos técnicos a gente já está careca de saber. (Que me desculpem os carecas!) Mas especialmente em 2025, para navegar neste cenário global desafiador pontuado por guerra comercial, conflitos geopolíticos e instabilidade econômica, os líderes precisarão de dose ainda maior desses nossos aspectos culturais, que embora muito criticados pelo establishment do mundo dos negócios, são grandes competências respaldadas pela Neurociência e Psicologia. Vamos a elas!

1-      Fé na Gambiarra!  Sobre Adaptabilidade e Neuroplasticidade

Acostumados à falta de planejamento e recursos ideais, nós desenvolvemos a capacidade de adaptação e flexibilidade em vários contextos. Enquanto culturas mais rígidas valorizam planejamento e adesão estrita a regras, os líderes brasileiros têm a capacidade de adaptação rápida, uma vantagem estratégica em cenários voláteis.

Enquanto alemão trava ao sair do script, o brasileiro refaz o plano no elevador. Chamam de "jeitinho", mas é inteligência adaptativa – aquela habilidade de transformar um apagão em reunião à luz de velas, e ainda sair com um negócio fechado.

O mundo espera um líder global padronizado: metódico, previsível, obcecado por KPIs. E o meu medo é que as escolas de negócio por aqui estejam cegamente copiando o modelo anglo-saxão à custa das nossas valiosas competências.

Não é falta de profissionalismo, é outra gramática de poder.  Adaptabilidade tem a ver com Flexibilidade Mental, com Neuroplasticidade. A capacidade do cérebro de se reprogramar frente a novos contextos, fazer mais com menos, usar recursos antigos para novos usos.

O treino da Neuroplasticidade passa justamente por sair do script, por mudar a rota, por ter que ajustar o modo de fazer e até os ingredientes. Num mundo que caminha cada vez mais para as receitas rígidas (algoritmos), quem tem mais de um neurônio é rei!

2-      Bora tomar um Café!  Sobre Habilidade Relacional e Construção de Confiança

Nórdicos assinam acordos por e-mail. Japoneses trocam cartões de visita com cerimônia. O brasileiro convida para um cafézinho.  E não é protocolo, é um verdadeiro due diligence. Por aqui, investimos tempo em construir laços porque a confiança vale mais que protocolos ou contratos. Além disso, os relacionamentos estão acima da hierarquia, são ativos intangíveis valiosíssimos.

No Brasil entende-se que contratos são assinados em papel, mas negócios são feitos no olho-no-olho. E mais do que isso, se pra fechar um grande deal a gente tiver que enfraquecer a amizade, então não vale o preço!

A Psicologia nos ensina que tendemos a confiar em quem conhecemos. O contato repetido com outra pessoa, as conversas que escapam ao profissional e invadem a vida pessoal, fomentam a construção rápida de confiança. Nesse quesito, o cafezinho é quase divã.

E tem mais! Outra grande vantagem vem de um dos principais achados da neurociência:  o estresse crônico prejudica a tomada de decisões levando a reações impulsivas. A conversa do cafézinho é pausa terapêutica antes de decisões críticas para acessar o melhor seu raciocínio, evitando armadilhas emocionais.


3-      Piadas, Mandingas e Jogo de Roda!  Sobre Otimismo, Coletivismo e Resiliência Emocional

Enquanto em outras praias a galera entra em paralisia analítica diante de crises, aqui já estamos na terceira versão do plano B antes do café da manhã. O brasileiro consegue ser otimista sem ser ingênuo.  Nossa cultura é marcada por um otimismo pragmático. Mesmo em crise, tendemos a enxergar oportunidades em  oposição a abordagens cautelosas que priorizam análise exaustiva antes de agir. Ter fé é a nossa cara!

Também está no nosso DNA transformar crise em piada. Já vimos que o cérebro responde ao estresse com mecanismos de defesa que podem prejudicar a tomada de decisões. Portanto, cultivar a resiliência emocional, o “jogo de cintura mental” é ingrediente essencial no cenário que vivemos. E o riso é uma das melhores formas de aliviar o estresse e reestabelecer a capacidade de raciocínio.

Mas sinto que estamos perdendo a nossa comédia. A capacidade de rirmos das nossas mazelas, de denunciar com humor os nossos defeitos. Estamos ficando chatos e com a cara fechada porque confundimos seriedade com sisudez.

Temo também que nossos líderes estejam se isolando cada vez mais. No meu trabalho individual com executivos recebo queixas frequentes de isolamento e solidão. Mas não precisa ser assim. Não deve ser assim! Somos seres coletivos. Evoluímos em sociedade e para a sobrevivência do grupo.

A psicologia organizacional destaca a importância da inteligência coletiva. Em um mundo fragmentado, promover ambientes inclusivos, onde a diversidade de pensamento estimule soluções criativas são diferenciais em tempos de incerteza. Somente em grupo podemos enfrentar o contexto que se impõe e se transforma o tempo todo.

O nome do jogo é Resiliência que no Brasil ganha o apelido de malandragem e se torna “commodity” valiosa.  Riso, fé e negócios são esportes coletivos! Bora jogar junto!!!

 

Curioso ou sabe-tudo? Medo e paralisia no topo da liderança

1 abril, 2025



No meu trabalho com líderes executivos, com frequência deparo-me com situações onde o medo de não saber é paralisante e muito danoso para esses profissionais. No mundo das empresas, criou-se uma cultura onde os líderes são aqueles que devem saber tudo, estar sempre certos, tomar as decisões perfeitas.

E a competitividade é tanta que gera um efeito contrário ao que seria de se esperar. Não é raro o sujeito recorrer a estratégias danosas para esconder a sua extrema insegurança com determinado assunto.

No intuito de ter que parecer o mais sabido, muitos criam uma máscara de excelência que engana até a si próprios. Matam (literalmente) a curiosidade em favor de parecer o mais sabido da turma.


Ser curioso ou ser o sabe-tudo?

Aprender é a vocação natural das nossas mentes. Nós não temos como não aprender. Salvo diante de algum distúrbio neuro-fisiológico, todos nós somos programados para falar, andar, comer, expressar, relacionar e aprender. Basta estar vivo no mundo, que o aprendizado acontece. Mas para ir além da página 2, é preciso estar atento a algumas barreiras.

Na escola somos adestrados a responder o certo. Somos premiados por reproduzir respostas prontas, por repetir as mesmas palavras dos livros, e não para tentar, investigar e desafiar o pensamento. Logo, na dúvida, é melhor ficar quieto do que correr o risco de “pagar o mico” e falar uma bobagem.

Conforme avançamos na nossa educação vamos criando barreiras, na sua maioria saudáveis e de auto-preservação. Mas algumas vão longe demais, ao ponto de nos limitar no caminho de aprendizado.

Acontece que o futuro nunca foi tão incerto, e o mundo tão volátil e complexo. As respostas que temos não serão suficientes para o futuro. Logo, vale mais despertar a curiosidade do que adestrar para responder o “certo”.


Aprender exige coragem

O primeiro passo para a curiosidade e para a aprendizagem é assumir que não se sabe. E num mundo onde vale mais quem “sabe mais”, o risco do não-saber é enorme. Isso pode ser paralisante e gerar um comportamento de evitação. Portanto, a coragem de assumir para si mesmo que não sabe é o primeiro passo para o aprendizado. Mas não é suficiente.

Mas para ir muito além da página dois é preciso enfrentar uma segunda barreira… a sensação de estar perdido.

Sim, em qualquer aprendizado, seja lendo um livro, seja fazendo uma viagem, seja aprendendo um novo idioma, passamos a maior parte do tempo nos sentindo perdidos. O sentimento com relação ao inexplorado é mais ou menos como andar pela primeira vez num deserto sem a ajuda de mapa ou GPS.

Isto porque diante de algo novo, o nosso cérebro dispara impulsos para todos os lados tentando encontrar algo na nossa experiência pregressa que se assemelha ao que está sendo visto agora.

Por isso, aprender pode ser doloroso e cansativo, afinal você está literalmente reconfigurando as conexões neurais. E é aí que muitas pessoas desistem: bem na página dois.

A verdadeira aprendizagem só ocorre depois de vencida essa barreira. Pense bem! Se você simplesmente copiar a resposta de um problema de matemática do quadro do professor, não há aprendizado. Depois de um ou dois dias, você não será capaz de responder à questão.

É apenas quando você se coloca diante do problema e se permite sentir-se perdido, que a sua mente estará livre para empenhar-se, para testar todos os caminhos conhecidos e alguns novos caminhos. E quando ela encontra uma solução, novas conexões foram formadas e você nunca mais esquece.

Estar perdido dá medo, frio na barriga, faz a gente querer desistir e correr de volta para casa. Mas depois de vencidas as barreiras do medo e da sensação de estar perdido, há um mundo inteiro esperando para ser descoberto por você!

Vamos lá?!